Dois meses antes da morte de Paulino Guajajara, casa de morador próxima à TI foi incendiada; indígenas suspeitam que ele tenha participado de emboscada Filha do morador gravou vídeo prometendo que a queima da casa não ficaria impune. Em depoimentos à Polícia Civil, moradores do povoado Brasilândia dizem que o grupo que trocou tiros com indígenas tentava resgatar uma moto.
A Polícia Federal (PF) investiga se o assassinato do guardião da floresta, Paulo Paulino Guajajara, morto a tiros no interior da Terra Indígena (TI) Arariboia no último dia 1º de novembro, foi cometido por madeireiros e/ou caçadores em retaliação a ações de fiscalização por parte dos Guardiões, grupo de indígenas que faz o monitoramento do território em busca de invasores. Márcio Greykue Moreira Pereira, conhecido como Gleyson, que estava caçando com mais três pessoas na TI, também foi morto no episódio, após uma troca de tiros com Paulino e Laércio Guajajara, segundo a polícia. A PF ainda tenta estabelecer as circunstâncias exatas das mortes e as motivações que levaram aos homicídios.
Atingido por dois tiros, Laércio Guajajara contou a Fabiana Guajajara e ao cineasta Taciano Brito como foi o ataque, dentro da TI, que matou Paulo Paulino no Maranhão. No Maranhão, cada guardião da floresta é um Paulino Guajajara.
Responsáveis pela vigilância dos territórios indígenas, guardiões relatam à Pública cotidiano de ameaças e agressões provocadas por madeireiros, grileiros e traficantes invasores.
Um dos principais episódios investigados pela PF é a queima de uma casa em uma região conhecida como Cascudo, uma área de mata dentro da TI que pertencia a Zé Carlos, conhecido como “Dedo-Duro”. Morador do povoado Brasilândia, situado na zona rural de Bom Jesus das Selvas (MA), mesma localidade em que residem os homens envolvidos na troca de tiros com Paulino e Laércio Guajajara, Zé Carlos estaria envolvido com a exploração ilegal de madeira na TI Arariboia, segundo indígenas ouvidos pela Agência Pública. O incêndio ocorreu no último mês de setembro em ação atribuída aos Guardiões da Floresta. Depois disso, uma das filhas de Dedo-Duro, identificada apenas como Vanessa, gravou um vídeo prometendo que o episódio não ficaria impune.
A PF apura se a morte de Paulino teria sido um revide à queima da casa do pai dela. Os indígenas ouvidos pela Pública suspeitam que Dedo-Duro possa ter se comunicado com o grupo de caçadores que adentrou a TI no dia dos ataques para dar a localização de Laércio e Paulino Guajajara, colaborando para uma emboscada. A versão de Laércio, registrada pela Pública, é que ele e Paulino foram caçar e foram surpreendidos pelo grupo de invasores – o que corrobora a versão da emboscada. Laércio, porém, não citou a morte do homem branco.
A PF investiga também a possibilidade da morte de Paulino ser retaliação pela queima de três caminhões de madeira ilegal, em setembro, pertencentes a uma família tradicional da cidade de Amarante do Maranhão (MA), um dos cinco municípios que fazem fronteira com a TI Arariboia. A ação dos Guardiões ocorreu na localidade de Três Passagens, no interior da área indígena.
No dia dos crimes, a filha de Dedo-Duro, Vanessa, enviou mensagens de áudio para indígenas com quem mantinha contato da aldeia Jenipapo, a mais próxima do povoado dentro da TI Arariboia. Na comunicação, ela diz aos indígenas que há uma expedição sendo montada por moradores do povoado Brasilândia para a retirada do corpo de Gleyson, a outra vítima do episódio, feita pelos familiares dele e por outros moradores. O corpo foi levado antes de a Funai e a Polícia Militar do Maranhão interditarem a área em que foi encontrado o corpo de Paulo Paulino Guajajara. Nos áudios, enviados em guajajara, língua da família do tupi-guarani, traduzidos por indígenas para a Pública, Vanessa diz aos conhecidos da aldeia Jenipapo que, se a Funai não tomasse providências, os brancos viriam “em muitos carros” buscar o corpo, e que iam “matar qualquer um que encontrassem”. Em outro áudio a que a Pública teve acesso, enviado para um grupo de lideranças indígenas da TI Arariboia, um familiar de Gleyson faz um questionamento que corrobora os áudios de Vanessa: “E aí a Funai vai se manifestar, vai mandar alguém vir ou não vai? Porque, se não vier, nós vai entrar aqui por conta mesmo. Aí só Deus e o diabo sabem o que vai acontecer”.
Nem Vanessa nem Zé Carlos, o Dedo-Duro, foram localizados pela reportagem da Pública para comentar os fatos citados nesta reportagem. Procurados, os familiares de Gleyson não responderam aos pedidos de entrevista.
Abandono do Estado
As lideranças indígenas ouvidas pela Pública destacam o abandono do Estado em relação à TI Arariboia, que ignorou os alertas feitos pelos indígenas ao Ministério da Justiça a respeito da entrada de invasores na terra – a ideia era articular uma ação conjunta dos Guardiões da Floresta com as forças oficiais. “A gente sempre tentou procurar a melhor forma de fazer esse trabalho conjunto com a segurança pública do Estado. O governo federal sempre alegou falta de recursos”, afirma Fabiana Guajajara, liderança da TI Arariboia. Citando dados do Conselho Indigenista Missionário (Cimi), uma reportagem do site Amazônia Real revelou que 43 indígenas Guajajara foram mortos entre 2000 e 2019 em razão de conflito com madeireiros. “Ao longo desse período perdemos os guerreiros sem punições aos matadores. A Funai sabe toda a história, mas também sempre acobertou os casos, ou seja, não pediu maior investigação. Assim, os madeireiros foram pegando fôlego, devido não existir punições dos crimes”, disse ao Amazônia Real Zezico Guajajara, liderança da aldeia Zutiwa, da TI Arariboia. Indígenas ouvidos pela Pública suspeitam que não-indígenas que tiveram casa queimada podem ter colaborado para emboscada que resultou na morte de Paulino Guajajara. O Cimi responsabilizou o governo do Maranhão e o governo federal pela morte de Paulino Guajajara. “O Cimi vem denunciando o aumento das invasões dos territórios indígenas, fruto do incentivo dos agentes públicos e privados que se somam contra a regularização dos territórios concebidos pela Constituição Federal. Hoje não é exagero dizer que os indígenas não podem mais circular em seus territórios com segurança”, disse o órgão em nota. “Não nos cabe apenas exigir a apuração do fato em si, mas denunciar quem tem incentivado e permitido invasões a Terras Indígenas associadas a atentados, assassinatos, ameaças, esbulhos, incêndios criminosos”, afirma a nota do Cimi.
Envolvidos dizem ter ido resgatar moto apreendida por indígenas
A versão dos moradores do povoado Brasilândia é que Gleyson (foto) foi resgatar uma moto quando encontrou os indígenas
A outra linha de investigação da PF baseia-se na versão dada pelos não indígenas envolvidos na troca de tiros. Segundo eles, no dia dos fatos, o grupo composto por Gleyson, seu filho de 18 anos e outros dois menores de idade tinha ido caçar em uma área de mata próxima ao povoado Brasilândia. Os quatro estavam em duas motos. Em depoimentos prestados à Polícia Civil de Bom Jesus das Selvas, que auxilia a PF nas investigações, eles afirmam que deixaram os veículos na entrada de uma trilha, pois a partir daquele ponto só era possível prosseguir a pé.
Quando retornaram da mata, dizem, apenas uma das motos estava no local. Eles então teriam ido em busca da outra moto. Andando pela floresta, encontraram os dois indígenas e houve a troca de tiros. A PF apreendeu uma motocicleta em um local próximo à região onde ocorreram as mortes.
A investigação corre em sigilo de justiça. A Funai afirma ter identificado os autores da emboscada. Três indígenas já foram retirados da TI Arariboia sob proteção policial em decorrência de ameaças.
Dois meses antes da morte de Paulino Guajajara, casa de morador próxima à TI foi incendiada; indígenas suspeitam que ele tenha participado de emboscada Filha do morador gravou vídeo prometendo que a queima da casa não ficaria impune Em depoimentos à Polícia Civil, moradores do povoado Brasilândia dizem que o grupo que trocou tiros com indígenas tentava resgatar uma moto.