Na COP27, presidente colombiano disse que é necessário esforço comum entre países da região para “resgatar” Amazônia/Reportagem de Anna Beatriz Anjos
O presidente da Colômbia, Gustavo Petro, confirmou à Agência Pública que tem mantido conversas com o presidente eleito Luiz Inácio Lula da Silva (PT) para a formação de um bloco de países amazônicos contra o desmatamento.
“Falamos sobre o assunto antes. Mas, agora, com a sua posse [enquanto presidente], esperamos que façamos uma política multilateral com os dois estados, incluindo a Venezuela, e seguramente se juntariam a Bolívia e o Peru, no esforço comum de resgatar a floresta amazônica”, disse Petro. “Sem esse resgate, é pouco provável que possamos ter êxito na solução da crise climática no mundo. Portanto, Lula se converte em um protagonista central dessa possibilidade.”
O presidente conversou com a Pública na última segunda-feira (7), logo após sua participação no lançamento de uma parceria formada por 26 países e a União Europeia para manter viva a promessa de zerar o desmatamento em todo o mundo até 2030. A Forests and Climate Leaders’ Partnership (Parceria de Líderes Florestais e Climáticos, ou FCLP, na sigla em inglês), anunciada durante a 27ª Conferência do Clima da ONU, a COP27, que acontece em Sharm el-Sheikh, no Egito, é o desdobramento de um acordo com a mesma meta firmado pelo próprio Brasil e mais de 140 países na COP26, realizada há um ano em Glasgow, na Escócia. O Brasil, no entanto, ficou inicialmente de fora do novo grupo.
A proposta de formação de uma aliança entre os países amazônicos defendida por Petro havia sido anunciada anteriormente por sua ministra do Meio Ambiente e Desenvolvimento Sustentável, Susana Muhammad, às vésperas da COP27. O presidente da Venezuela, Nicolás Maduro, que também participa da conferência, está em linha com a ideia: em sua chegada ao Egito, disse que havia sugerido a Petro e Lula a realização de uma cúpula sul-americana em defesa da Amazônia.
Outra tentativa de articulação pela preservação ambiental está sendo levada a cabo por integrantes da equipe com Indonésia e República Democrática do Congo, que junto do Brasil reúnem 52% das florestas primárias remanescentes no mundo. A expectativa é a criação de um bloco (o “BIC”, junção das letras iniciais dos três países) para conservação das florestas.
Ausência brasileira na parceria
O Brasil é uma ausência importante na FCLP por ser o país com maior área de floresta tropical no mundo e o segundo com maior cobertura florestal absoluta, perdendo apenas para a Rússia, que não também não aderiu à iniciativa. Sem o Brasil, a Amazônia está representada na parceria apenas pela Colômbia, Equador e Guiana.
Além disso, a preservação da Amazônia e de outros biomas brasileiros é essencial para o cumprimento da meta climática do país sob o Acordo de Paris. Metade das emissões brasileiras de gases de efeito estufa é decorrente das mudanças de uso da terra, que abrangem o desmatamento, de acordo com os dados mais recentes do Sistema de Estimativas de Emissões de Gases de Efeito Estufa (SEEG) do Observatório do Clima (OC).
“O Brasil foi responsável, no último ano, por 40% do desmatamento de florestas [tropicais primárias] no planeta. Além disso, tem a maior floresta tropical do mundo, com o maior estoque de carbono do mundo nessa floresta. Se a Amazônia entrar em colapso, a gente perde as esperanças de alcançar as metas do Acordo de Paris”, explica Márcio Astrini, secretário-executivo do OC.
Ele avalia que, com a mudança de governo, o Brasil deve participar desse e outros espaços semelhantes, já que Lula vem se comprometendo publicamente a recolocar o país em posição de “protagonismo na luta contra a crise climática” e a buscar o “desmatamento zero na Amazônia”, como afirmou em seu primeiro discurso após a eleição.
Lula virá à COP27 na próxima semana. Ele trará consigo integrantes de sua equipe de transição que, segundo apurou a Pública, podem ser convidados a participar como observadores da primeira reunião oficial da FCLP. O encontro deve acontecer a portas fechadas, ainda durante a conferência, no próximo dia 12.
A reportagem enviou perguntas aos ministérios do Meio Ambiente (MMA) e Relações Exteriores (MRE) sobre a ausência de participação do Brasil na FCLP. O MMA não respondeu. Já o MRE informou, em nota, não considerar que a nova parceria “ofereça o melhor formato para tratar das necessidades dos países em desenvolvimento” e citou que “seria interessante, por exemplo, que o board do Fundo Verde para o Clima (Green Climate Fund – GCF) renovasse o programa de pagamento por resultados de REDD+, que vem enfrentando resistências de países desenvolvidos”. Ainda de acordo com o texto, o Itamaraty espera que a nova aliança estabelecida com a Indonésia e a República Democrática do Congo “possa sentar as bases para a maior dinamização no futuro da agenda florestal internacional”.
Aceno para manutenção da meta feita da COP26
Presidida pelos Estados Unidos e Gana, a Forests and Climate Leaders’ Partnership foi construída ao longo do último ano pela presidência da COP26, do Reino Unido. Os países que se voluntariaram a participar tiveram que se comprometer, entre outros pontos, a “dar o exemplo” no cumprimento de suas metas climáticas nacionais (as NDCs, na sigla em inglês) e a “fazer esforços” para aumentar a ambição no corte de emissões ao longo do tempo. Além disso, devem se encontrar anualmente para realizar um balanço do progresso atingido.
A parceria é um aceno para manter viável a meta acordada na COP26 de “deter e reverter a perda florestal e a degradação de terra até 2030”. Para tanto, é necessário que as promessas saiam do papel, já que, segundo estudo independente publicado neste ano por organizações da sociedade civil, em 2021 o desmatamento global diminuiu apenas 6,3% em comparação com a taxa base de 2018 a 2020, percentual menor do que os 10% anuais de redução necessários para que o objetivo seja cumprido.
A FCLP tem como integrantes também Alemanha, França, Canadá, Finlândia, Austrália, Costa Rica, Paquistão e Quênia, entre outros. Sua atuação se dará em seis áreas específicas, entre elas, o investimento em economia e cadeia de fornecimento sustentáveis – o que significa desvincular a produção de commodities agrícolas da devastação ambiental –, o apoio a iniciativas lideradas por povos indígenas e comunidades locais, e o fortalecimento do mercado de carbono florestal.
O grupo anunciou já ter desembolsado U$ 2,6 bilhões dos U$ 12 bilhões prometidos no ano passado para proteger e restaurar as florestas, e que outros U$ 4,5 bilhões de doadores públicos e privados serão prometidos durante a COP27. Para a COP28, a promessa é de lançamento de um mecanismo financeiro que permita a implementação dos objetivos da parceria.
Essa reportagem foi publicada com o apoio da COP27 Climate Justice Journalism Fellowship do Climate Tracker e faz parte do especial Emergência Climática, que investiga as violações socioambientais decorrentes das atividades emissoras de carbono – da pecuária à geração de energia. A cobertura completa está no site do projeto.
*Colaboraram Karina Tarasiuk e Maximiliano Manzoni