Agência Pública – Marina Amaral
Quando Márcia Palhano, da Comissão Pastoral da Terra (CPT), me ligou, alarmada com mais um surto de violência contra comunidades tradicionais no Maranhão, não imaginava que uma nova má notícia chegaria tão rápido: dias depois da nossa conversa, o líder quilombola José Alberto Moreno Mendes, 47 anos, foi assassinado com três tiros no rosto e dois nas costas.
Doka, como era conhecido na comunidade, era presidente da Associação de Moradores do Quilombo Jaibara dos Rodrigues, no território Monge Belo, em Itapecuru-Mirim, Maranhão. No dia 27 de outubro, uma sexta-feira, ele estava em, frente à casa em que morava com a mulher e quatro filhas, no fim da tarde, quando dois homens passaram em uma moto e atiraram. Doka morreu na hora.
É o décimo quilombola assassinado no estado nos últimos três anos.
O território Monge Belo, onde vivem oito comunidades, aguarda titulação desde 2004, quando foi reconhecido como terra pertencente a comunidades remanescentes de quilombo. Em 2016, a presidente Dilma assinou o decreto de desapropriação da área, mas, sete anos depois, o processo ainda não foi concluído. Apenas 211 terras quilombolas estão regularizadas no país, enquanto 1.787 processos para titulação de territórios quilombolas aguardam parecer do Incra, o que é um dos motores para as invasões. Há pelo menos dez anos, o Maranhão oscila entre os três primeiros lugares no ranking da violência no campo. Nos últimos dois anos, está em primeiro lugar – em 2022, empatado com Rondônia, outro foco de grilagem e violência praticadas por fazendeiros, madeireiros e garimpeiros apoiados na pistolagem. Conheci Márcia, aguerrida defensora de direitos, quando estive no Maranhão, em março deste ano, para documentar a violência crescente contra indígenas Guajajara e quilombolas, constatada em nosso Mapa dos Conflitos. Foi com a ajuda dela que eu e meu colega José Cícero chegamos a Arari, na Baixada Maranhense, onde cinco quilombolas foram assassinados entre janeiro de 2020 e janeiro de 2022. Na linda comunidade do Cedro, onde estivemos, pai e filho foram assassinados na frente da família e um avô foi alvejado dentro de casa, depois que os moradores cortaram as cercas elétricas de criadores de búfalo, que invadiram suas terras. Ninguém foi preso pelos assassinatos e a comunidade ainda foi processada pelo “dano” ao “patrimônio” dos grileiros. Uma história que machuca pela injustiça e enraivece pela impunidade, e que passou quase despercebida pela imprensa. Vocês poderão ouvi-la a partir da próxima terça-feira (7/11) na nova temporada do podcast Amazônia sem Lei. Todos os episódios foram feitos em campo, com reportagens baseadas no Mapa dos Conflitos. Volto ao tema com mais detalhes na semana que vem. Quando conversei com Márcia, ela estava organizando a visita da Coordenação da Campanha contra a Violência no Campo em Codó, no leste maranhense. Assim como Itapecuru-Mirim, onde Doka foi assassinado, a região faz parte do Matopiba, fronteira agrícola que se expande no interior do Maranhão, Tocantins, Piauí e Bahia à base da grilagem e da violência. Recordista em conflitos no campo, o Maranhão tem hoje 114 pessoas ameaçadas de morte, segundo a CPT. “São muitas comunidades atingidas por graves violações de direitos e abandonadas pelo poder público”, diz Márcia. O Maranhão é um dos estados mais ricos do país em culturas tradicionais, unidas pela resistência marcada pela firmeza das quebradeiras de coco babaçu, presentes em aldeias, roças, quilombos. É a segunda unidade da Federação em número de comunidades remanescentes de quilombos, atrás apenas da Bahia, palco recente de outro crime hediondo: o assassinato de mãe Bernadete, líder quilombola e religiosa alvejada por 22 tiros no dia 17 de agosto em sua casa e terreiro, no Quilombo da Pitanga. A comunidade que protegia fica na área rural de Simões Filho, município na região metropolitana de Salvador, conhecido pelo domínio dos grupos de extermínio. A polícia baiana anunciou a prisão dos suspeitos, mas até hoje não revelou suas identidades nem o motivo para o ataque à ialorixá, ocorrido cinco anos depois do assassinato de seu filho, Binho, até hoje não esclarecido. Das favelas aos quilombos, da cidade ao campo, só o racismo explica a impunidade dos crimes contra negros – sejam praticados por pistoleiros, milicianos ou policiais. Os jornalistas precisam estar lá, ao lado dos defensores de direitos, para que esses crimes não sejam negligenciados pelas autoridades nem esquecidos pela sociedade. Obrigada, Márcia. |
Marina Amaral Diretora executiva da Agência Pública marina@apublica.org |