Apesar do crescimento acima do esperado do PIB, no primeiro trimestre, dados mostram que nunca o país teve tantos desempregados e que os índices de pobreza aumentam. Inflação elevada agrava o problema (
RH Rosana Hessel
O crescimento de 1,2% no Produto Interno Bruto (PIB) do primeiro trimestre de 2021, divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), ficou acima das expectativas do mercado, em torno de 0,7%, mas o dado aparentemente positivo mascara um problema estrutural do país: a desigualdade social crescente. Em meio à pandemia que já matou mais de 470 mil brasileiros, o aumento da pobreza é agravado pelo desemprego recorde e pela inflação que não dá trégua e encolhe o poder de compra da população do Brasil — que, para piorar, está de volta ao mapa da fome.
Tal cenário vai na contramão das estimativas mais otimistas do mercado, que passou a prever expansão do PIB de 5% a 5,5%, logo após os dados do IBGE. Essas taxas, porém, revelam a baixa capacidade de crescimento do país, pois uma fatia de 4,9% é atribuída ao novo cálculo do carregamento estatístico do PIB de 2020, ou seja, pura inércia.
Analistas ainda destacam que a recuperação é heterogênea, com o principal motor do crescimento, o consumo, ainda no campo negativo — o que ajudou a produção industrial a encolher 1,3%, em abril, e ficar 1% abaixo do nível pré-crise, de fevereiro de 2020. Além disso, o setor de serviços, o que mais emprega, continua distante do patamar pré-pandemia e só vai conseguir ter uma retomada mais forte no último trimestre do ano, se a promessa do governo de vacinar toda a população for cumprida.
No ano passado, o auxílio emergencial de R$ 600 por mês aos mais vulneráveis e de R$ 1,2 mil para as famílias chefiadas por mulheres acabou mascarando essa realidade e reduzindo, temporariamente, o número de pobres no país — que já voltou a crescer neste ano. Estudo publicado em abril pelo Centro de Pesquisa em Macroeconomia das Desigualdades da Universidade de São Paulo (Made/USP), denominado “Gênero e raça em evidência durante a pandemia no Brasil: o impacto do auxílio emergencial na pobreza e na extrema pobreza”, estima aumento de 9 milhões de pessoas em situação de pobreza e insegurança alimentar um ano após o início da pandemia.
A pesquisa mostra que, em 2020, a taxa de brasileiros na pobreza caiu de 25%, antes da pandemia, para 20% com o auxílio emergencial de R$ 600. Sem o benefício, em 2021, a taxa de pobreza teria chegado a mais de 30%. A fatia de pessoas na extrema pobreza caiu de cerca de 7%, em 2019, para 3%, no ano passado. “Em 2021, a taxa de pobreza extrema teria passado a mais de 10%. Tratar-se-ia de piora substantiva durante o ‘apagão’ do auxílio emergencial”, destaca o economista Pedro Fernando Nery, consultor de economia do Congresso Nacional.
Uma das autoras do estudo do Made/USP, a economista Luísa Cardoso Guedes de Souza, doutora em demografia pela Universidade Federal de Minas Gerais (UFMG), alerta que “de acordo com o IBGE, o Brasil voltou ao mapa da fome em 2018”, com aumento da pobreza maior entre mulheres e negros.
“Calculamos que, em 2019, antes da pandemia, a taxa de extrema pobreza no país era de 6,6%, o que representa 13,9 milhões de pessoas. Já a taxa de pobreza era de 24,8%, afetando 51,9 milhões de brasileiros. Considerando o valor médio de R$ 250 estabelecido para o auxílio emergencial em 2021, vemos que a taxa de extrema pobreza esse ano deverá ser de 9,1% (19,3 milhões de pessoas) e a de pobreza de 28,9% (61,1 milhões de pessoas). Assim, após um ano de pandemia, teremos um acréscimo de aproximadamente 9 milhões de brasileiros em situação de pobreza e insegurança alimentar”, afirma.
De acordo com a demógrafa, os beneficiários do auxílio emergencial são as pessoas de baixa renda, em maior situação de vulnerabilidade. “Apesar do aumento do PIB no primeiro trimestre de 2021, o consumo das famílias não acompanhou esse crescimento. A escalada recente da inflação e, especialmente, o aumento os preços dos alimentos impactam, sobretudo, as famílias mais pobres”, destaca. Segundo ela, os resultados mostram que “o auxílio emergencial de 2021 é insuficiente para conter a perda de renda da população” em função da pandemia.
“Considerando que não sabemos se o auxílio será estendido por um período maior de tempo nem como será o ritmo da vacinação até o final do ano, é muito provável que a pobreza não seja mitigada em 2021”, acrescenta.
Na avaliação de Luísa Cardoso, é bem provável que o empobrecimento da população e o aumento das desigualdades sociais perdurem para além do prazo do recebimento do auxílio emergencial. “Nosso estudo deixa evidente que são as mulheres negras as que mais estão sofrendo com a crise. O aumento da pobreza no Brasil reflete as desigualdades regionais, raciais e de gênero no país. A sobrerrepresentação das mulheres negras na pobreza é uma das consequências da desigualdade de gênero e de raça que sempre estiveram presentes na nossa sociedade, mesmo antes da pandemia.”